sexta-feira, 23 de setembro de 2016

As novas séries da RTP

Eu mantenho que Portugal, e sobretudo a RTP, deve na indústria do audiovisual ter uma aposta consistente na produção de séries, como alternativas de qualidade às telenovelas.

Como aqui escrevi, os hábitos de consumo em televisão são conservadores, e os programadores, por comodismo e por os resultados serem mais visíveis, mantêm as velhas fórmulas das novelas no prime-time. Mas, como vemos todos os dias, há cada vez mais público a  fugir para o cabo e outras plataformas, por exemplo, o Netflix.

Há um consumidor mais esclarecido, também jovem e urbano, que já não tem pachorra nem perde tempo com novelas e reality-shows que inundam os nossos canais generalistas. Por isso, saudei a coragem da RTP em apostar em séries contra o monopólio das novelas. Sabendo bem, como escrevi na altura, que as audiências não iam ser relevantes e podiam ser más face aos hábitos instituídos. Assim sendo, e passadas três semanas, o meu balanço e depois umas palavras de optimismo na conclusão:

Na terça, "Mulheres Assim". É tão má, tão ridícula, que nem vale a pena comentar. E há uma coisa que não podem esquecer e que entendo ser uma das maiores pechas nesta fase embrionária da construção de uma indústria de séries portuguesas: a direcção de actores para série de televisão não pode ser a mesma coisa para novelas nem para teatro, onde continuam visíveis os mesmos tiques. Depois, estejam atentos um bocadinho ao pormenor, levem alguns actores ao dentista e invistam num branqueamento, isto é de um amadorismo sofrível.

Na quarta, "Os Boys". É conhecido que, por esse mundo fora, a aposta em séries que abordem o tema da política e do poder resultam bem. Não falo das de registo dramático que todos conhecem como "House of Cards" (e a primeira versão inglesa já está disponível no Netflix e sugiro), "West Wing", "Borgen", "Os Influentes" (as duas últimas transmitidas na RTP2) e a menos conhecida, mas sensacional, "Boss" (apenas com duas temporadas), também no humor e na sátira temos a premiadíssima "Veep" e a mais antiga "Spin City" por exemplo. Por cá apostou-se no humor. Uma das coisas que mais gosto é o seu genérico, depois o primeiro episódio não gostei muito e senti os actores muito presos e desconfortáveis, sobretudo a personagem principal do filipe Duarte que, para mim, juntamente com o Ivo Canelas, é o grande actor português. Tem melhorado, não sei se o público português compreende tudo o que ali está escrito, como exercício de humor não atinge todos os objectivos, mas mais uma vez é um primeiro passo.

Na quinta, "Dentro". Trama prisional que para mim é a melhor das quatro proposta da RTP. Tem um elenco homogéneo, tem falhas naturalmente, mas parece-me a série mais consistente e com mais pernas para andar. Depois, tem a melhor personagem e a actriz, Vera Kolodzig, vai excelente nesse papel, das quatro séries. Não é nenhuma "Orange is the New Black", até porque o registo, aqui, é dramático, mas até pode dar mais temporadas.

Na sexta, "Miúdo Graúdo". A ideia é engraçada, o tema é o mais universal, é uma série de família, mas peca por um erro crasso. O horário e o dia em que é emitido, Na sexta, o mind-set das pessoas é outro e o horário ideal seria ao sábado ou domingo de manhã.

Concluindo, houve um tempo em que uns tipos meio loucos decidiram ir morder os calcanhares da máquina de produção de novelas da Globo, que dominava a RTP no tempo do preto e branco, e decidiram produzir a "Vila faia". Um passo decisivo e marcante para o que hoje é a nossa poderosa máquina de produção de novelas. A RTP, com estas séries, dá o primeiro passo consistente na construção de séries portuguesas, com actores, técnicos e guionistas portugueses. Um dia diremos que esta aventura embrionária da RTP, se calhar com audiências baixas, com muitas fraquezas, terá sido decisiva para um futuro que se deseja auspicioso e de melhor qualidade.

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